quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O meu primeiro encontro com Bibi Ferreira

fonte imagem: Veja - Abril.com  

Em 1981 eu saí do interior de Minas Gerais, com uma pequena mala, com o objetivo de desvendar os segredos da cidade maravilhosa. Com 17 anos, recém completados, desci na rodoviária Novo Rio, e fui direto para um dos lugares mais interessantes do Rio de Janeiro que é Copacabana, exatamente na rua Siqueira Campos onde se concentravam artistas, escritores, intelectuais, michês, prostitutas e políticos recém chegados do exílio.

Nada acontecia por acaso na Siqueira Campos. Havia um motivo. Ele se chamava Teatro Tereza Rachel (hoje Theatro Net Rio), um espaço cultural que resistiu bravamente ao massacre criado pela ditadura militar. O teatro mantinha uma aura de aglutinação, de efervescência artística e de contagiantes dinâmicas ontológicas. Era um ecossistema de ideias fecundas. E esta aura de coexistência coletiva fazia da rua um espaço único.

Eu trazia na minha cabeça as imagens inocentes do som das frenéticas, das discotecas Dancy Days e Hippopotamus (lendário reduto da boêmia carioca), do Arpoador e de tudo que se falava do Rio de Janeiro nas revistas, nas novelas e nos jornais. Mas, felizmente, isso durou pouco e comecei a viver em um universo completamente diferente, mais amplo, sofisticado e, acima de tudo, libertário numa era analógica.

Residia no apartamento de Ligia Ferreira, irmã mais nova de Bibi Ferreira, filhas do grande ator Procópio Ferreira. Eu era amigo da família. Principalmente de Benito e Carla, irmãos de Ligia por parte de mãe, que me convidaram para morar com eles. Na época, vivíamos grandes aventuras juvenis. Literalmente o mundo ao meu redor, com os meus parcos valores existenciais, começava a se transformar.

Era uma virada radical de página. Assim, naturalmente, me iniciava em poderosas narrativas humanas, que não eram apresentadas ao público, pois vivíamos ainda o fantasma da ditadura, e a turma não estava a vontade para expressar as suas ideias, portanto, o apartamento de Ligia se tornara um ponto para grandes reuniões. Nele freqüentavam artistas, jornalistas, intelectuais e escritores.

Foi neste lugar que conheci Bibi Ferreira, a diva do teatro. Gentil, inteligente, ela se mantinha atenta a todos os detalhes das produções dos espetáculos. Eu presenciava as conversas que ela tinha com Ligia sobre turnê, contratação de pessoal e logística de viagem.

Também frequentava outro apartamento de Bibi Ferreira, no bairro Flamengo, onde ficava o seu acervo, com roupas, cartazes, cenários e adereços, das peças que ela fez. Eu caminhava pacientemente pelos cômodos, e sentia uma vibração pulsando por todos os lados, em um local que trazia a história do teatro produzido por Bibi Ferreira. Creio que foram poucas pessoas que tiveram acesso a esse apartamento, porque ele era trancado a sete chaves.

Para um garoto do interior que ansiava desvendar os segredos do Rio de Janeiro, essa foi uma experiência excepcional. Ao conhecer pessoalmente uma das personalidades mais vigorosas do teatro brasileiro, considerada a sua diva, referência de várias gerações de artistas, isso foi realmente marcante. E como foi!

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