quarta-feira, 12 de novembro de 2014

As singularidas de Gabriella Andrada


 
 
Quem conheceu Maria Gabriella de Andrada Serpa (1919-2014) sabe exatamente qual foi a dimensão humana dessa escritora, memorialista e ambientalista, que durante muitos anos deu vigor estético na preservação de uma das áreas mais importantes de Minas Gerais, que é a Fazenda da Borda do Campo, no município de Antonio Carlos.

Suas atitudes e ideias marcaram várias gerações e, certamente, continuarão a ser referência para as próximas. Espírito lúcido, mentalmente suave e honesto com os valores de uma coexistência gentil, essa mulher se tornou um exemplo de transparência, na mais profunda concepção do termo.

Viveu os seus 95 anos de bem com o mundo e sabia decifrar como ninguém os conceitos chaves que regem a humanidade. O seu conhecimento era profundo. Distinguia com excelentes análises todas as representações ideológicas com sabedoria, e, ao mesmo tempo, praticava uma dialética que estabelecia um contraponto bem articulado e preciso sobre determinada questão. Seu raciocínio era rápido e eficaz. Afinal, ela conviveu ao lado de grandes mentalidades.

Possuía uma visão crítica dos jargões linguísticos e dos seus excessos caricaturais, confrontando-os com um pensamento estruturado em dinâmicas que seguiam o rigor da pesquisa histórica e sociológica, de uma maneira bastante didática. Aliás, a maior parte de sua vida, Gabriella Andrada esteve envolvida com os assuntos relacionados à educação.

Fez graduação em Letras em uma época que o acesso feminino ao ensino superior era raro. Ela teve a oportunidade de ser uma autêntica observadora de muitos acontecimentos, que surgiam frenéticos ao longo do século 20. Presenciou o desabrochar da ciência, o desenvolvimento efervescente da arte moderna e, principalmente, teve a oportunidade de ver de perto fatos curiosos da política nacional.

Assídua leitora dos clássicos da literatura e da filosofia, mesmo tendo influência cosmopolita, não abriu mão das suas origens interioranas e da holística do catolicismo barroco, preferindo se guardar de corpo e alma no lugar que serviu de base para a construção de sua personalidade e a presenteou com novas singularidades, que é a Fazenda da Borda do Campo. Foi neste cenário, localizado no alto da Serra da Mantiqueira, entre os sons encantadores dos pássaros, dos movimentos sutis do vento e de uma extensa biodiversidade na sua fauna e flora, que Gabriela passava o seus dias escrevendo e refletindo.

Eu tive a oportunidade de entrevistá-la quatro vezes. O primeiro encontro ocorreu na primavera de 2001. Foi em uma tarde em que a luminosidade criava uma atmosfera impressionante; e, graças ao ecossistema que cerca todo aquele espaço, foi um dia extremamente revigorante. Falamos de culinária mineira, de presidencialismo, de parlamentarismo, de monarquismo e, sobretudo, de literatura.

Naquela época, a sua irmã Narcisa Andrada estava entre nós. As duas eram inseparáveis e cuidavam como muito zelo na preservação do patrimônio arquitetônico e ambiental da Borda do Campo. Depois me encontrei com Gabriella Andrada em 2002, 2008 e 2009. Todas as entrevistas foram marcantes, pois me deram a chave para compreender como se deu a formação humana e cultural na região, a partir da fundação da Borda do Campo.

Na última entrevista, a memorialista me recebeu em seu escritório. Sentada em sua escrivaninha que pertenceu a Pedro Nava, um presente de sua prima que era casada com o escritor mineiro, ela me contou detalhes sobre os livros que há na fazenda, a origem das pinturas expostas nas paredes, o dia a dia na cozinha, a vida entre a família e muitos outros assuntos interessantes.

O que eu achava bacana é que Gabriella Andrada me escrevia constantemente. Sempre muito cordial e atenta aos temas contemporâneos, sugeria matérias para serem publicadas no Jornal Correio da Serra. Assim como muitas outras pessoas, sentirei saudades de sua presença que nos contagiava com o seu entusiasmo e afeição. Em tempo, também sentirei falta dos livros que ela me presenteava.www.cenadois.blogspot.com

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