Quem conheceu Maria Gabriella de
Andrada Serpa (1919-2014) sabe exatamente qual foi a dimensão humana dessa
escritora, memorialista e ambientalista, que durante muitos anos deu vigor
estético na preservação de uma das áreas mais importantes de Minas Gerais, que
é a Fazenda da Borda do Campo, no município de Antonio Carlos.
Suas atitudes e ideias marcaram várias
gerações e, certamente, continuarão a ser referência para as próximas. Espírito
lúcido, mentalmente suave e honesto com os valores de uma coexistência gentil,
essa mulher se tornou um exemplo de transparência, na mais profunda concepção
do termo.
Viveu os seus 95 anos de bem com o
mundo e sabia decifrar como ninguém os conceitos chaves que regem a humanidade.
O seu conhecimento era profundo. Distinguia com excelentes análises todas as
representações ideológicas com sabedoria, e, ao mesmo tempo, praticava uma
dialética que estabelecia um contraponto bem articulado e preciso sobre
determinada questão. Seu raciocínio era rápido e eficaz. Afinal, ela conviveu
ao lado de grandes mentalidades.
Possuía uma visão crítica dos jargões
linguísticos e dos seus excessos caricaturais, confrontando-os com um
pensamento estruturado em dinâmicas que seguiam o rigor da pesquisa histórica e
sociológica, de uma maneira bastante didática. Aliás, a maior parte de sua
vida, Gabriella Andrada esteve envolvida com os assuntos relacionados à
educação.
Fez graduação em Letras em uma época
que o acesso feminino ao ensino superior era raro. Ela teve a oportunidade de
ser uma autêntica observadora de muitos acontecimentos, que surgiam frenéticos
ao longo do século 20. Presenciou o desabrochar da ciência, o desenvolvimento
efervescente da arte moderna e, principalmente, teve a oportunidade de ver de perto
fatos curiosos da política nacional.
Assídua leitora dos clássicos da literatura
e da filosofia, mesmo tendo influência cosmopolita, não abriu mão das suas
origens interioranas e da holística do catolicismo barroco, preferindo se
guardar de corpo e alma no lugar que serviu de base para a construção de sua
personalidade e a presenteou com novas singularidades, que é a Fazenda da Borda
do Campo. Foi neste cenário, localizado no alto da Serra da Mantiqueira, entre
os sons encantadores dos pássaros, dos movimentos sutis do vento e de uma
extensa biodiversidade na sua fauna e flora, que Gabriela passava o seus dias
escrevendo e refletindo.
Eu tive a oportunidade de
entrevistá-la quatro vezes. O primeiro encontro ocorreu na primavera de 2001.
Foi em uma tarde em que a luminosidade criava uma atmosfera impressionante; e,
graças ao ecossistema que cerca todo aquele espaço, foi um dia extremamente
revigorante. Falamos de culinária mineira, de presidencialismo, de parlamentarismo,
de monarquismo e, sobretudo, de literatura.
Naquela época, a sua irmã Narcisa
Andrada estava entre nós. As duas eram inseparáveis e cuidavam como muito zelo
na preservação do patrimônio arquitetônico e ambiental da Borda do Campo. Depois
me encontrei com Gabriella Andrada em 2002, 2008 e 2009. Todas as entrevistas
foram marcantes, pois me deram a chave para compreender como se deu a formação
humana e cultural na região, a partir da fundação da Borda do Campo.
Na última entrevista, a memorialista
me recebeu em seu escritório. Sentada em sua escrivaninha que pertenceu a Pedro
Nava, um presente de sua prima que era casada com o escritor mineiro, ela me
contou detalhes sobre os livros que há na fazenda, a origem das pinturas
expostas nas paredes, o dia a dia na cozinha, a vida entre a família e muitos
outros assuntos interessantes.
O que eu achava bacana é que Gabriella
Andrada me escrevia constantemente. Sempre muito cordial e atenta aos temas
contemporâneos, sugeria matérias para serem publicadas no Jornal Correio da
Serra. Assim como muitas outras pessoas, sentirei saudades de sua presença que
nos contagiava com o seu entusiasmo e afeição. Em tempo, também sentirei falta
dos livros que ela me presenteava.www.cenadois.blogspot.com
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