Eu gosto dos franceses. Em especial Antoni
Artaud (1896-1949) e Michel Foucault (1926-1984). O primeiro foi anarquista,
poeta, ator, diretor de teatro e um dos maiores nomes para se compreender, de
um ponto de vista artístico, as gestualidades internas da loucura; o segundo,
um exímio historiador das ideias, filósofo e crítico literário, se articulava em
expressões científicas acadêmicas, principalmente nos estudos sobre a teoria da
biopolítica.
Os dois sabiam, com exatidão, os processos
que geram as diferenças humanas. Eles entendiam que o declínio da cultura
ocidental se daria por razões militaristas, sobretudo, focada numa zona obscura
do capital voltada para uma servidão humana cruel, iniciada pelo cientificismo
alemão nazista a partir da ascensão de Adolf Hitler (1889-1945) e formatada
pelos americanos no pós-guerra no governo de Harry S. Truman
(1884-1972).
Basta ler “A Era dos Extremos”,
Companhia das Letras, escrito por Eric Hobsbaw (1927-2012), para clarear as ideias
de como a barbárie se tornou sofisticada numa civilização, incongruente ao
modus operandi da natureza, que continua a seguir silenciosamente os interesses
de um domínio predatório.
Segundo Hobsbaw, a humanidade
sobreviveu. “Contudo, o grande edifício da civilização do século XX desmoronou
nas chamas da guerra mundial, quando suas colunas ruíram. Não há como
compreender o Breve Século XX sem ela. Ele foi marcado pela guerra. Viveu e
pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as
bombas não explodiam.”
O século XX também foi “eficiente” para
se criar sistemas e instrumentos parasitários de poder. A essência de sua arquitetura,
obviamente distante dos olhares cotidianos, foi projetada por centros de
pesquisas estadunidenses. Tal referência pode ser encontrada no livro “Futuros
Imaginários – Das máquinas pensantes a aldeia global”, de Peter Barbrook. É um
caldeirão de valores simbólicos (televisão, rádio, literatura, artes plásticas,
música, computadores, internet, celulares e outros utensílios), que se
apropriaram de técnicas linguísticas bem elaboradas com o objetivo de
controlar.
George Orwell (1903-1950) que criou o termo
Big Brother errou? Não!!! Ele só deu a dica de como a humanidade entraria no
seu estágio de misosofia (aversão ao saber) se impulsionando para a esfera de
uma passividade mental doentia.
Loucura
e domesticação mental
Nesta dinâmica de raciocínio faço uma
referência ao livro “A História da Loucura”, de Michel Foucault. Ele apresenta um
panorama sobre a edificação da doença mental, criada e estudada nos
laboratórios hospitalares, que a projetaria como artefato dentro das estruturas
sociais com elaborado apoio governamental e da indústria farmacêutica. E, como
não poderia deixar de ser, o território de Barbacena serviu para esse
propósito.
Entramos no século XXI com a mente
cambaleante. Com aproximadamente 8 bilhões de pessoas, a Terra está sucumbindo.
Falta água, aumentam às catástrofes antrópicas (geradas pelo próprio homem),
epidemias se alastram pelos quatro cantos do planeta, bilhões de pessoas sem
casa ou comida e, principalmente, sem trabalho.
Será que isso não faz parte de uma
passividade mental construída, parafraseando Focault, para “vigiar e punir?”
Não estaríamos presenciando outro grau da deficiência cognitiva produzida no
passado? Neste cenário a loucura e a
domesticação mental se transformaram em elementos precisos de manipulação.
Consumismo, preconceito racial,
homofobia, dependência tecnológica e química, exploração exponencial dos
recursos ambientais, guerras, narcotráfico e tantas mazelas surgidas nos
últimos tempos, provam que ainda vivemos na síndrome do mito da caverna,
pensado por Platão (427 a. C/347 a.C).
Dá para perceber que o histórico sobre a
doença mental não está localizado ou conceitualmente datado. Pelo contrário.
Ela está presente em todos os aspectos; no fundamentalismo ideológico ou
religioso, podemos detectar suas ações perniciosas. Um asco da insanidade
alimentada pelos burocratas.
Outra coisa, não se engane, a doença
mental está ganhando vida e se movimenta livre... Do contrário, não teríamos
tantas desconfigurações orgânicas pelas nossas cidades. Mas, tudo isso se deve
também a preguiça para questionar os problemas que danificam direitos, deveres,
valores e propósitos éticos.
Alguns lançam livros, fazem filmes e
promovem a loucura como um produto. Quem ganha nesta história? Será que
comunidade, no seu todo, se interage sobre esses acontecimentos? Assim como
pensava o psiquiatra Vinicius Samara, tragicamente assassinado em Barbacena,
que tinha uma abordagem clara sobre a questão? Não!!! Eu conhecia Vinicius e
entendia suas ideias. Era uma mente libertadora... Nunca fez marketing sobre o
tema, pois sabia que o buraco era mais embaixo. E como é!!!
Isso ocorreu na virada da década de
oitenta para noventa, as pessoas não usavam disfarces egocêntricos. A luta
antimanicomial tinha um objetivo claro. Questionar os pormenores desse grande
drama, com ativa participação de vários atores sociais, com o objetivo de
desconstruir a fidalguia de uma medicina que ainda tinha os pés no cientificismo
nazista.
Como podem ver... Não era uma tarefa fácil.
Contrapor esquemas corruptos e as malandragens do sistema exigia muita coragem.
Mas quem se importa com a memória daqueles que não tiveram qualquer relação
estatal ou que fizeram algo realmente relevantem sem focar em benefícios
próprios?
Isso me lembra quando o psicólogo Jaques
Delgado lançou o seu livro “A Loucura na Sala de Jantar”, em 1991, em
Barbacena. Seu trabalho realizado em Triste, Itália, que traz referências de
Basaglia, Rotelli, Dell’Acqua e Artaud, contribuiu com o processo de uma
discussão e implantação por uma nova política pública mental no Brasil. Sua
presença na cidade foi marcante. Sua provocação de como devemos abordar a
questão da loucura, não como produto comercial, e, sim como algo a ser levado a
sério, deveria ser refletida pela nova geração. Do contrário só teremos
devaneios e poucas perspectivas de mudança.
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